quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A CULTURA RACIONAL E A CIRCULARIDADE CULTURAL.

A CULTURA RACIONAL E A CIRCULARIDADE CULTURAL.
NEUMANN, Ricardo (UFSC)

Com um número estimado de, mais ou menos, 15.000 adeptos1, a Cultura
Racional é um “movimento cultural” que tem como pretensão “elucidar” as pessoas
sobre o princípio, o fim e a natureza da humanidade. Esse esclarecimento das
“verdades”, que apaziguaria os seres humanos, viria por meio da leitura e através da
disseminação da Obra, Universo em Desencanto2.
A Cultura Racional foi criada em 1935, por Manoel Jacintho Coelho, nessa
época um médium de Umbanda. Esse movimento é alicerçado única e exclusivamente
na obra de Manoel, os livros, Universo em Desencanto (atualmente produzidos por sua
filha Atna Jacintho Coelho). Essa organização sempre apresentou-se sem uma
conotação religiosa. Seus discursos a colocam como uma mensagem decisiva e
conclusiva a respeito de todas as questões da existência. Assim é parte do discurso da
Cultura Racional declinar-se acima de qualquer filosofia, doutrina, ou religião. No
entendimento de seus adeptos os ensinamentos transmitidos por Manoel seriam uma
“verdade absoluta”. Entretanto, uma analise critica da Cultura Racional nos revela
facilmente o forte caráter religioso dos discursos da mesma, bem como o porquê desse
discurso tentar afasta-la do campo religioso3.
Contudo, o caráter religioso do discurso da Cultura Racional é evidente. Ao
analisarmos seu discurso percebemos inúmeras características do discurso religioso.
Com apoio nos estudos de Eni Orlandi4 sobre o discurso religioso, conseguimos obter
1 Esses números são do próprio movimento. Esses dados são relativos. Isso, pois a exposição que a
Cultura Racional tem na mídia através dos cd’s de divulgação (gravados por Tim Maia quando participou
do movimento), ou o enorme numero de sites e livros (espalhados pelos sebos de todo o Brasil), fazem
com que aumente consideravelmente o grau de participação desse movimento no imaginário de muitos
brasileiros.

2 Essa obra soma mais de mil volumes (21 da obra, mais 21 da replica, 21 da treplica e 943 livros do
Histórico) e só foi terminada por Manoel Jacintho Coelho em 04 de Junho de 1988.
3 Vamos nos ater à noção de campo religioso, conforme aparece em Pierre Bourdieu. Ou seja, como um
desigual sistema de forças (religiosas), dotadas de uma desigual acumulação de capital simbólico. Ou,
nas palavras do mesmo “Equanto resultado da monopolização da gestão dos bens de salvação por um
corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como os detentores exclusivos da
competência específica necessária à produção ou à reprodução de um ‘corpus’ deliberadamente
organizado de conhecimentos secretos (e portanto raros), a constituição de um campo religioso
acompanha a desapropriação objetiva daqueles que dele são excluídos e que se transformam por essa
razão em leigos (ou profanos,no duplo sentido do termo) destituídos do capital religioso (enquanto
trabalho simbólico acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta desapropriação pelo simples fato de
que a desconhecem enquanto tal”. Ver BOURDIEU, Pierre. Estrutura e gênese do campo religioso In: A
economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 39.
4 Ver ORLANDI, Eni P.. O discurso pedagógico: a circularidade e O discurso religioso. In: A linguagem e
seu funcionamento. As formas do discurso. Campinas: Pontes, 1987.
2
diversas relações entre algumas características do discurso da Cultura Racional e os
parâmetros que fazem de um discurso um discurso religioso. Alguns desses
parâmetros são a assimetria de posições, o desnivelamento fundamental e a idéia de
apaziguamento. A assimetria de posições advém do fato de que, a criação da Cultura
Racional e das obras Universo em Desencanto, deram-se através do recebimento5, por
parte de Manoel, de mensagens de uma entidade, o Racional Superior6. Nesse sentido
Manoel é o representante dessa entidade falando e calando por ela. Desse modo
podemos observar nessa relação outra característica do discurso religioso, o
desnivelamento entre o locutor (Manoel representante do Racional Superior), que está
no plano espiritual, e os ouvintes (os adeptos da Cultura Racional), que estão no plano
temporal. Somando-se a essas características temos ainda a idéia do apaziguamento,
que é a crença na garantia de que tudo ocorrerá bem na medida em que os
ensinamentos de Manoel forem respeitados e seguidos. Assim para os adeptos da
Cultura Racional tudo se resolverá com a leitura das obras Universo em Desencanto.
Mas o que faz um movimento colocar-se acima de uma religião, mesmo tendo a
lógica de interlocução do discurso religioso? E ainda, o que fez esse movimento
basear-se estritamente na leitura?
04 de outubro de 1935. Esse é o dia ao qual devemos retornar para
respondermos a essas questões. No dia em que a Cultura Racional foi criada, Manoel
encontrava-se em um centro de Umbanda, no qual era médium. E é a partir dessa
relevante informação, a posição de Manoel como médium, que iremos destrinchar o
processo de criação da Cultura Racional, bem como o porquê da peculiar articulação
da mesma com o campo religioso. Isso, já que, durante a década de trinta houve uma
intensificação na perseguição às religiões mediúnicas. Fundamentalmente as de
origem afro, como o Candomblé e a Umbanda. As novas condições de urbanização
dos grandes centros do sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo) foram um fator
preponderante nesse processo7. Já que as praticas rituais das religiões mediúnicas
afro não se “adaptavam”, na visão das elites “civilizadas”, à nova ordem vigente
decorrente do crescimento das cidades. Com isso, intensificou-se o trabalho dos
5 Ver BERGER, Peter. O dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológica a Religião. São
Paulo: Paulinas, 1985. Pp. 186.
6 Entidade suprema da Cultura Racional (equivalente a Deus para os cristãos), que teria ditado seus
ensinamentos sobre, de onde vem, o que são e para onde vão os seres humanos, a Manoel Jacintho
Coelho.
7 Ver ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. Petrópolis: Vozes, 1978.
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chamados “intelectuais da Umbanda”8, que tentavam dotá-la de um reconhecimento
social de seu capital simbólico9. Ortiz10, fala de um processo de “legitimação racional”,
no qual esses intelectuais tentarão dotar a Umbanda de uma base doutrinária
escriturística, a fim de separá-la do caráter ágrafo do Candomblé.
Juntando os retalhos podemos perceber que Manoel como médium de Umbanda
estava nitidamente imbricado em todo aquele contexto da década de trinta. Contexto
esse que nos explica o porquê da Cultura Racional ser alicerçada em uma escrituração
e perseguir a leitura como “salvação”. Bem como sustenta a peculiar articulação da
mesma ao campo religioso brasileiro, já que “embasa”, de certa forma, a criação de um
movimento que parte do afastamento das religiões, especialmente as afro, como
premissa de sua constituição.
A Cultura Racional está espalhada pelo Brasil com “filiais” na maioria das
capitais e grandes cidades do país. Suas sedes são chamadas, e são, “livrarias” devido
ao modo como funciona o movimento. Nessas os adeptos, que são chamados de
“estudantes”, podem comprar ou emprestar os livros da obra Universo em Desencanto.
A sede nacional do movimento fica em Nova Iguaçu, baixada fluminense. Entre a atual
sede nacional e a primeira, que foi no Centro de Umbanda do Méier, no Rio de Janeiro
capital, o movimento teve outras sedes nacionais. Sendo uma em Jacarepaguá,
também no Rio de Janeiro capital, e a outra em Belford Roxo, também na baixada
fluminense.
Como já vimos, a, extremamente, singular doutrina pregada por Manoel, advém
de um contexto onde muitas influências permeavam o campo religioso, principalmente
8 Por intelectuais da Umbanda vamos entender aqueles umbandistas que em um determinado contexto
(primeira metade do século XX) “desenvolveram todo um discurso denunciador de práticas “fetichistas e
supersticiosas”, avessas [para os mesmos] ao progresso e a civilização”, então perseguidos pelos
mesmos através de uma tentativa de codificação da Umbanda. Ver ISAIA, Artur C.. Ordenar progredindo:
a obra dos intelectuais de Umbanda no Brasil da primeira metade do século XX. Anos Noventa. Porto
Alegre: UFRGS, (11): 97-120, 1999. Entre esses intelectuais da Umbanda podemos citar, Emanuel
Zespo e Martha Justina.
9 Por capital simbólica entendemos, segundo Bourdieu, que “sendo uma relação de comunicação entre
um emissor e um receptor, fundada no deciframento, e portanto na operação de um código ou de uma
competência geradora, a troca lingüística é também uma troca econômica que se estabelece em meio a
uma determinada relação de força simbólica entre um produtor, provido de um dado capital lingüístico, e
um consumidor (ou um mercado), capaz de propiciar um certo lucro material ou simbólico. Em outros
termos, os discursos não são apenas (a não ser excepcionalmente) signos destinados a serem
compreendidos, decifrados; são também signos de riqueza a serem avaliados, apreciados, e signos de
autoridade a serem acreditados e obedecidos. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas
lingüísticas: o que falar quer dizer; prefácio Sérgio Miceli. – São Paulo: Editora da Universidade
federal de São Paulo, 1996, p. 53.
10 ORITZ, Op.cit.
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o mediúnico11. Nesse contexto circulavam desde as idéias dos próprios “Intelectuais da
Umbanda”, da qual Manoel fazia parte, até as idéias Kardecistas e Evolucionistas.
Assim a criação de Manoel pode ser entendida como uma apropriação12 do mesmo a
partir das possíveis leituras que tenha feito e das idéias que tenha ouvido. No entanto,
nesse momento não estamos atrás do que Manoel apropriou-se especificamente, nem
de como ele reinterpretou suas possíveis influências, mas sim, do que teria formado a
sua subjetividade, quais seriam as influências, externas e internas, que dariam
substrato ao modo original de interpretar de Manoel.
Chaves de Leitura
“Os três reinos: céu, terra e água, dependem de outros três: sol, lua e estrelas
para formar as multiplicações dos seres, e desses seres, se conta mais um
reino. Então, todos juntos, formam as sete partes do porque assim são”. 13
Não, esse não é o discurso de um pobre indigente embriagado em alguma
calçada. Muito menos de algum esquizofrênico em alguma instituição psiquiátrica tendo
delírios religiosos. Esse discurso, que nos coloca diante de uma singular cosmogonia, é
um pequeno trecho do primeiro volume da obra Universo em Desencanto. Ao
observarmos a obra de Manoel é muitas vezes inevitável pensarmos, ao menos
durante um fração de segundos, tratar-se de um diário de um louco. È difícil entender
como um funcionário público, médium de Umbanda, de trinta e um anos, pode
conceber tais discursos. Como alguém que não era um louco, ao menos se falando dos
padrões pré-estabelecidos, forjou tal criação? Essa “explicação” para a nossa natureza,
origem e destino, que passa por caminhos tão incomuns. E é aí que devemos nos
lembrar que Manoel como médium de Umbanda, naquele contexto em que se
encontrava, recebeu, além das “mensagens” do “Racional Superior”, inúmeras
influências de “Intelectuais da Umbanda”, Kardecistas, Evolcionistas, enfim, de uma
gama de produtores de sentido que rondavam o campo religioso da época. E que
11 Reconhecemos, a partir de Bourdieu um campo mediúnico. Este é formado por várias denominações,
que professam a crença na reencarnação e na comunicação entre os espíritos, dotadas de desiguais
processos de acumulação simbólica (algumas são mais reconhecidas que outras). Embora não
possamos articular totalmente a Cultura Racional ao campo mediúnico, vamos enfocá-la interagindo
constantemente com este.
12 Ver CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL; Rio de
Janeiro: Editora Bertrand Brasil S/A, 1990.
13 COELHO, Manoel Jachinto. Universo em Desencanto. M. Jachinto Coelho Ed.- RJ, 1° vol., p.130.
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tinham toda uma produção escriturística que se “encaixava” para os “novos
parâmetros” do campo religioso mediúnico daquele contexto.
Não nos importa agora quais, mas é evidente que de algum modo, ou pela
leitura, ou pela difusão das leituras, muitas das idéias que perpassavam o campo
religioso, passaram e foram absorvidas por Manoel. Mas é aí que aparece uma lacuna.
Lacuna essa para a qual pretendemos expor algumas hipóteses para respondê-las.
Isso, pois não podemos aceitar como observamos em Ginzburg14, com o exemplo de
Menocchio, que a criação de Manoel tenha se dado apenas através de seu contato
com as produções dos produtores de sentido do campo religioso mediúnico. É obvio
que fica impossível negarmos que muitas das idéias presentes no campo religioso
mediúnico daquela época estão inscritas na produção de Manoel. Entretanto, e é o que
queremos ressaltar, as idéias propagadas por Manoel são impossíveis de serem
compreendidas única e exclusivamente a partir das possíveis leituras que ele tenha
feito ou ouvido. Nesse sentido tentaremos elencar alguns fatos da vida de Manoel que
podem ter lhe influenciado em suas prováveis leituras ou contato com as mesmas.
Assim falaremos a respeito do que Ginzburg chama de “filtros”. 15 Ou seja, a influência
que Manoel trouxe de suas vivências e meios. O lado oral da cultura presente em
Manoel, que pode ter feito ele interpretar suas influências do modo que as interpretou.
Lado esse que, como nos mostra Ginzburg16, é parte ativa dos processos de criação
culturais. Mostrando assim que as chamadas “classes subalternas” criam a sua própria
cultura, não sendo meros reprodutores da cultura das chamadas “elites”.
Partindo dos estudos de Ginzburg vamos explorar as “chaves” 17 de leitura de
Manoel. Leituras essas que são conjeturas, pois no momento ainda não temos provas
do que ele realmente leu. Apenas, como já afirmamos, sabemos através de outros
estudos que muitas novas idéias pulsavam no interior do campo religioso. Assim
buscaremos compreender o modo como Manoel lia algumas obras. Nesse sentido não
estamos atrás das distorções entre as possíveis leituras de Manoel e sua escrituração.
Estamos sim a procura das deformações do modo de Manoel observar suas
influências. A originalidade de sua leitura, que derruba qualquer hipótese sobre um

14 Ver GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido
pela Inquisição / tradução: Maria Betania Amoroso, - São Paulo: Companhia das letras, 1987.
15 GINZBURG, Op. Cit.
16 GINZBURG, Op. Cit., p. 200
17 GINZBURG, Op. Cit., p. 80
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“sentido mecânico” 18 das prováveis obras lidas por ele, tem com certeza chaves muito
singulares. Alguns desses filtros, dessa rede de influências que se interpunha entre
Manoel e suas possíveis leituras podem ser por nos observados.
Manoel pode ser visto como um representante de uma cultura “popular”. Mesmo
tendo estudado, o que para a época, década de trinta, já poderia ser considerado um
luxo, podemos observar através de sua produção bibliográfica, que sua linguagem
ainda carrega fortes traços de uma cultura letrada mais “simplificada”. Como podemos
ver em sua biografia19 seu local de nascimento é um bairro simples do subúrbio carioca
e suas lembranças da infância, nos terreiros de Candomblé, também nos remetem a
um mundo de uma cultura oral. Assim, seu contato com a cultura “dominante”, letrada,
carrega um alto teor da cultura oral.
A principio podemos observar, através de sua biografia, o forte caráter que está
presente no substrato cultural da maioria dos brasileiros, a influência Católica. Como
nos estudos de Sandra J. Stoll20 podemos perceber ao estudarmos a Cultura Racional
os enormes traços da tradição Católica que influenciavam e persistiam em Manoel.
Seja pelas suas descrições sobre seu nascimento, que mais parecem uma “pirataria”
da Bíblia, ou seja, pela sua forte crença em um único “deus”, o Racional Superior, fica
impossível compreendermos a peculiar cosmogonia de Manoel sem nos atermos ao
fato de que o mesmo, possivelmente inconscientemente, estava envolto por toda a
carga da tradição Católica que carregamos até hoje no Brasil.
A relativização das crenças e instituições que ocorreu na época da criação da
Cultura Racional também é um filtro importante das leituras de Manoel. Primeiramente
podemos ver, como já afirmamos, que todo o campo religioso mediúnico passava por
transformações. Os traços mais marcantes da influência afro nas religiões mediúnicas
foram, devido ao contexto, sendo paulatinamente “apagados”. Muitas coisas estavam
mudando ao mesmo tempo nas filiações mediúnicas. No entanto não foram só as
crenças e instituições que mudaram naquela época. Não podemos deixar de citar como
formadoras da rede de interpretação de Manoel as mudanças no contexto político e
econômico, mundial e brasileiro. Afinal, com certeza, o período entre Guerras, a Crise
de 1929 e a implantação do governo Vargas relativizaram não só a visão de Manoel,
mas da maioria dos seres humanos.
18 Ibdem
19 ELIAS, Jorge. O cavaleiro da Concórdia, O homem de outro mundo. 1° ed, Racional Gráfica e
Editora LTDA, 1988, Belford Roxo , RJ.
20 STOLL, Sandra J. Espiritismo à brasileira.
7
Seu emprego, funcionário público no Itamaraty, também pode demonstrar uma
possível chave de suas leituras e influências. Como um moleiro na época de
Menocchio, um funcionário público no Brasil da década de trinta também tinha uma
posição social particular21. Sua condição de funcionário público o diferenciava da
massa anônima. Elevando-o a uma condição privilegiada, seja pela sua tranqüila
condição financeira, ou seja, pelo enorme leque de contatos no dia-a-dia. Assim suas
relações com ambientes “cultos” e mais “elevados” eram muito mais constantes.
Em sua biografia Manoel não cansa de relatar a seu biografo os inúmeros
encontros com personalidades da política e da música. Os “contatos” de Manoel iam
desde Vargas até Cartola. Esses contatos, se realmente existiam, eram sim
propulsores das deformações nas leituras de Manoel. Se eles não existiram ainda não
deixam de nos revelar fortes traços de sua personalidade, portanto prováveis
balizadores de suas leituras.
O “contato” com músicos famosos como Cartola e Pixinguinha nos revelam uma
outra parte da malha da rede de interpretações de Manoel. Sua vida boemia é
ressaltada em sua biografia de forma extremamente contundente. Ativo participante da
vida noturna da Lapa dos anos trinta, Manoel, segundo sua biografia, antes fundar a
Cultura Racional, passava suas noites a beber e tocar nas estreitas ruas do famoso
bairro carioca. Fato esse que com certeza influenciou muito o modo como Manoel leu o
que leu.
A própria urbanização do Rio de Janeiro, que tanto contribuiu para o processo
de “racionalização” das religiões mediúnicas, é um fator de extrema importância na
compreensão do modo de ler de Manoel. Isso, pois a cidade na década de trinta era
um lugar de encontros e relações sociais muito mais freqüentes que nas décadas
anteriores. Pois como podemos observar as relações nos centros urbanos, como no
caso do Rio de Janeiro que estava se transformando em um na época, são muito
menos estáticas e fechadas que nos meios não urbanizados. Essa nova velocidade
das relações para com o mundo e as pessoas contribuiu certamente para formar o
modo de leitura de Manoel.
21 GINZBURG, Op. Cit, p. 193
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Breve Reflexão
Manoel é uma pessoa que vem das camadas “subalternas” da sociedade
e em um contexto propicio faz um mix entre sua biografia e suas influências e cria a
Cultura Racional.Sua criação tão singular não pode só ser vista como uma reprodução
dos conhecimentos de uma cultura “dominante”, no caso a dos produtores de sentido
do campo religioso. Nesse sentido é lógico que não podemos pensar que Manoel
simplesmente absorveu a cultura “dominante”. A cultura das classes “subalternas” criase
sozinha muitas vezes. Nem sempre as influências vem de “cima” para “baixo”.
Assim, por mais que certamente, apesar de não nos interessar quais, Manoel tenha lido
várias obras que o influenciaram, ele só criou a Cultura Racional do modo como ela é,
pois adulterou e recriou as coisas que leu com suas chaves, filtros, redes de sua
leitura. Ou seja, inúmeras outras coisas da vida de Manoel que catalisaram suas
influências. Dessa forma podemos afirmar que, o que para muitos é uma insanidade ou
um erro de compreensão, não é nada mais que um outro modo de compreensão. Modo
esse, que apesar de suas leituras, advém explicitamente de suas influências da cultura
oral, bem como de todas as intervenções sofridas por Manoel e que mudaram a
dinâmica de suas leituras.

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